A rua era longa. Avenida, no
caso. Húmida, molhada, suja, fedorenta. Negra como a noite, que já havia
descido sobre tudo, dispersando a turba feia e neurótica. Remy seguia atrás.
Como sempre, atrás. Só via as costas do outro. Era o que ele mais via do seu
parceiro – não se pode chamar companheiro a quem não acompanha. As costas. As
costas que lhe lembravam o seu isolamento, a sua solidão.
A avenida parecia não ter fim.
Como a noite parece não ter fim para quem não tem abrigo. O outro avançava no
seu passo mecânico, lesto, imparável. Remy sentia-se o objecto em que se
tornara. Uma coisa. Perdia a sua humanidade, para se tornar o distintivo que
era apresentado e exibido. O troféu.
Quando chegaram detiveram-se.
Como a noite parecia ter-se detido. A chuva também, suspensa, deixando que o
asfalto secasse com o bafo estival e a passagem ocasional dum ou outro veículo.
O silêncio pesava; era de chumbo. Cinzento e denso, embora maleável. Moldava-se
aos corpos, às almas, à inquietude das ânsias que dominam os seres
atormentados.
Vultos chegavam. Corpos carregando o cansaço dum dia de esforços. Posicionavam-se naquilo que designavam de lugar; o seu lugar. Em silêncio. Também em silêncio. E esperavam. Todos esperavam.